Granito Group Insights
july 06, 2017

É na crise que se decola


Rodrigo Tavares

Discutir inovação no Brasil em meio a um terremoto na política é como praticar arco e flecha enquanto a terra ainda treme. Mas e se, na verdade, este for o momento certo para o Brasil enfrentar o atraso? De acordo com o Índice de Inovação Global, cuja edição de 2017 foi lançada em junho, o Brasil ocupa a 69ª posição, atrás de México, Rússia, Índia e África do Sul. É uma posição desonrosa.

Em situação idêntica estava a Eslováquia no fim dos anos 1990. Depois de viver sob o jugo da União Soviética e enfrentar a dissolução da Tchecoslováquia, o primeiro-ministro Mikuláš Dzurinda (1998-2006) decidiu fazer as reformas necessárias para modernizar o país. Veio a reforma trabalhista, a tributária e a da Previdência. Sim, as mesmas em discussão no Brasil. “Esses foram dias em que vivíamos sob fogo cruzado, de dentro do governo, da oposição, de todos os lobbies, de grupos longamente habituados a práticas pouco transparentes e criminosas”, diz Martin Bruncko, o então ministro da Inovação e atualmente um dos 15 membros do Grupo de Alto Nível que aconselha a União Europeia sobre temas de inovação.

Apesar de o sismógrafo recomendar cautela, o governo da Eslováquia adotou, também nesse período, o maior plano de inovação da história do país (batizado de Minerva), centrado no desenvolvimento de uma sociedade de informação; investimentos em recursos humanos e educação; promoção da ciência, pesquisa e inovação; e criação de ambiente favorável aos negócios. Perguntei a Martin: como adotar medidas estruturantes em meio a um cenário adverso e com tantas outras prioridades? “Demonstramos que inovação não era um assunto periférico. Todos os temas relevantes para os eslovacos, como melhor educação, melhores empregos ou crescimento econômico, seriam impactados se nos tornássemos uma economia do conhecimento. Ninguém falava nesse assunto até então. Tivemos de convencer sindicatos e reitores de universidades.” Além disso, Bruncko diz ser fundamental ter governantes que deixem clara a relevância política da agenda da inovação. Mikuláš Dzurinda foi substituído em 2006, mas a estratégia Minerva continua servindo de eixo programático. Depois que deixou o governo, Bruncko tornou-se uma das figuras centrais por trás da Aeromobil, empresa eslovaca que anunciou o primeiro carro voador (as vendas começarão até o fim do ano, diz a empresa), e atualmente é CEO do primeiro fundo de capital de risco europeu a investir exclusivamente em deep tech (tecnologias revolucionárias e de difícil acesso). Enquanto isso, a Eslováquia subiu para a 34ª posição no Índice de Inovação Global.

Claudia Olsson também acha que momentos de crise aguda são os mais propícios para adotar a agenda da inovação. Fundadora e CEO da Exponential, consultoria sueca dedicada à transformação digital, ela recebeu em 2016 a missão do governo da Suécia de desenhar a estratégia para o país se tornar 100% digital – o primeiro do mundo com essa credencial. É também a conselheira da família real sueca sobre esses temas. Nos anos 1990, a Suécia bateu no fundo do poço. Com a economia, o desemprego e o déficit público nos piores patamares desde a década de 1930 e com economistas a assinar a certidão de óbito do “modelo sueco”, o governo foi obrigado a fazer reformas impiedosas que ainda hoje habitam o imaginário coletivo do país. Os sistemas tributário e previdenciário foram reconstruídos. No pacote estavam também investimentos vitamínicos em infraestrutura para a inovação, com a instalação de redes de internet de alta velocidade e a criação de incubadoras e centros de inovação, geralmente associados a universidades. A Klarna, gigante dos pagamentos on-line, nasceu na incubadora da Escola de Economia de Estocolmo (SSE Business Lab). Também se deu uma machadada nos impostos de quem comprava computadores e criava empresas de base tecnológica. Resultado? O país é o segundo no mundo com maior número per capita de “empresas unicórnio” (com valor de mercado acima de US$ 1 bilhão). Só perde para o Vale do Silício, nos Estados Unidos. Nos anos 1970 e 1980, a Suécia era conhecida pelos grupos de música pop ABBA e Roxette. Hoje é famosa por ser a pátria do Skype, do Spotify e do Minecraft. E por ocupar a 2ª posição no Índice de Inovação Global. Claudia acrescenta que é astigmatismo político debater prioridades políticas como saúde, educação ou inovação de forma alternada. “Investimentos em inovação servem também para fazer avanços sociais.” Baixam-se os custos e aumenta-se a eficácia.

Em países em desenvolvimento e com recursos escassos, como o Brasil, investir em inovação poderá parecer irresponsável. Em tempos de crise, seria mais seguro canalizar recursos exclusivamente para áreas com retornos mais firmes, como transportes ou infraestrutura. Mas essa é uma visão errada. Quem também diz isso é o argentino Emiliano Kargieman, fundador e CEO da Satellogic, empresa que está desenvolvendo uma constelação de satélites para oferecer serviços e informações espaciais em tempo real. Emiliano foi reconhecido pela Singularity University como a pessoa que desenvolveu uma tecnologia com mais probabilidade de impactar 1 bilhão de pessoas. Na última vez em que conversamos pessoalmente, há cerca de dois meses em Buenos Aires, Emiliano deixou claro que sua motivação é gerar um volume ilimitado de dados, nunca antes disponíveis, para que líderes políticos e privados possam tomar decisões-chave de como gerar mais e melhor energia ou produzir mais e melhores alimentos. É um dos mais talentosos empreendedores latino-americanos da atualidade. Ao voltarmos a conversar agora, Emiliano me mandou um WhatsApp pedindo desculpas por demorar alguns dias para responder porque, quando recebeu a mensagem, estava lançando um satélite a partir de uma base na China. Alguns dias depois, com o dispositivo em órbita a 550 quilômetros de altura, Emiliano deixou claro que um país “que falha em inovação tem 100% de probabilidade de ter sua contribuição para o PIB global reduzida, impactando negativamente o bem-estar relativo de sua população”. Por isso, é importante assegurar a estabilidade da moeda, promover o dinamismo do sistema educativo, adotar leis corporativas e regimes fiscais favoráveis, criar redes de comunicação de baixo custo com mercados globais e oferecer incentivos à pesquisa.

Por que o Brasil não inova? As razões são cansativamente conhecidas. Temos uma visão individual e empresarial calcada no imediatismo. Cingapurenses e chineses costumam planejar os próximos 20 anos. Brasileiros, os próximos dois anos. Brasileiros de Brasília, as próximas duas semanas. Nosso histórico de instabilidade política e econômica, associada a um frágil espírito de coletividade, castra nossos apetites por estratégias de longo prazo. Em segundo lugar, faltam incentivos para a pesquisa universitária e corporativa. No livro Start-up nation, os escritores Dan Senor e Saul Singer dão crédito às políticas públicas para explicar o sucesso tecnológico de Israel, país com o maior número de startups per capita no mundo. Israel investe 4,1% do PIB em inovação, enquanto o Brasil investe apenas 1,2% (a média mundial é 2,1%), segundo a Unesco. É verdade que na última década os indicadores de investimento na área têm tido um crescimento significativo, mas a principal omissão do poder público brasileiro reside na escassez de políticas que estimulem o aumento dos investimentos privados em ciência e tecnologia. Isso incluiria, como a Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado concluiu no ano passado, “simplificação tributária e das regras trabalhistas, desenvolvimento da infraestrutura de transportes e comunicações, simplificação dos processos de importação e exportação de produtos e agilização nos processos de concessão de patentes”. Sintomaticamente, um estudo do Banco Mundial adverte que a “baixa taxa de transformação de pesquisa e desenvolvimento em aplicações comerciais” no Brasil pode ser explicada pela “fraca colaboração entre empresas privadas e universidades”. Como também acontece em outros países em desenvolvimento ou de tradição universitária francófona, no Brasil a relação entre corporações e universidades é de primo distante. Além disso, o Brasil ainda sofre com a baixa qualificação de sua mão de obra e dispõe de um número insuficiente de pesquisadores e formados em ciências exatas. O sistema educacional público, na maior parte dos casos, também não enfatiza independência, debate e experimentalismo. Finalmente, somos vítimas do nosso tamanho continental. Empreendedores de países pequenos saem da maternidade pensando em se internacionalizar. São forçados a inovar e a se ajustar constantemente à competição global. Para um mineiro, a globalização significa chegar com uma carreta ao Rio Grande do Sul.

Por essas razões, o Brasil não tem ganhadores de Prêmio Nobel, nenhuma universidade verdadeiramente reconhecida globalmente e nenhuma empresa unicórnio. O país também não é referência nas grandes agendas do futuro, como edição genética, biologia sintética, blockchain, Internet das Coisas, inteligência artificial e Big Data. Ainda que já não acredite na vida eterna após a morte, o atual governo vai passar o próximo ano preocupado com sua mumificação e, por isso, as expectativas deverão continuar baixas sobre o que o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações poderá realizar.

 

Artigo publicado originalmente em Época