Granito Group Insights
february 15, 2019

Portugal and the Impact Economy


Rodrigo Tavares

Há um dado que o mercado financeiro português tem negligenciado. Do volume de US$ 85 biliões em ativos sob gestão globalmente, US$ 23 biliões já são investidos sob o prisma das finanças sustentáveis, uma disciplina financeira que incorpora dados ambientais, sociais e de governança corporativa (ESG, na sigla em inglês) nas decisões de investimentos com o objetivo de gerar melhores retornos ajustados ao risco.

Este é um mercado que cresce 25% ao ano. Na ótica de Larry Fink, Chairman e presidente da BlackRock, a maior gestora de ativos do mundo com US$ 6 biliões sob gestão, as finanças sustentáveis irão transformar todos os investimentos, "só não sei se será daqui a um ano ou cinco."

A aplicação do termo "sustentável" às finanças gera instantaneamente um conjunto de interpretações erróneas. Aquilo que move o crescimento desta disciplina não é a crença que o capital tem que servir para resolver problemas sociais e ambientais, mas o princípio de que retornos financeiros podem ser maximizados se, no processo de decisão que leva a um investimento, também tivermos em consideração a governança interna da empresa (rigor financeiro, políticas anticorrupção, conflitos de interesse, etc.), o "pedigree" ambiental (quais os riscos ambientais a que a empresa está exposta e como gere esses riscos?), e as relações sociais (cumprimento de direitos trabalhistas ou preservação de bons relacionamentos com a comunidade). Todos estes fatores são mensuráveis e interferem no valor financeiro de um ativo e no nível de risco de um investimento.

Semanalmente são publicados novos estudos que mostram a correlação positiva entre ESG e alfa. Os índices de ações sinalizam o mesmo. O MSCI Europe SRI Index, por exemplo, que oferece exposição a empresas com alto desempenho ESG em relação a seus pares do setor, superou os retornos brutos anualizados do MSCI Europe Index em +3,36% (1 ano), +1,61% (5 anos), e +1,93% (10 anos). 

As finanças sustentáveis são, na verdade, um termo guarda-chuva que inclui cerca de 16 diferentes subtipos de investimentos, devidamente identificados pelo Granito Center for the Impact Economy. Abrangem, por exemplo, os investimentos sustentáveis ou responsáveis, quando a análise de investimentos incorpora informações ESG mas não se excluem ou incluem qualquer classe de ativos ("equities", obrigações, imobiliário), tipo de ativos ou sector. Cobrem também os investimentos de triagem ("screening investments" em inglês), quando se excluem ou incluem determinados setores, países ou "securities" com base em critérios específicos. Exemplos disso são investimentos que descartam algumas indústrias (tabaco, defesa/militar, bebidas alcoólicas). Um pequeno nicho das finanças sustentáveis, que acaba por atrair alguma atenção na imprensa, diz respeito aos investimentos de impacto, realizados com intenção de gerar retorno financeiro e impactos sociais e/ou ambientais positivos que são ativamente mensurados. Correspondendo a cerca de 1% do mercado global de finanças sustentáveis, referem-se sobretudo a investimentos de venture capital em empreendedorismo social.

A distração portuguesa

A maioria dos países europeus e da América do Norte já criaram um ecossistema propício à fertilização das finanças sustentáveis. Portugal ainda não. A maioria dos investidores institucionais, como os fundos de pensão nacional, ainda não adota políticas e teses de investimento que englobam as finanças sustentáveis. Lá fora, segundo um estudo da Morgan Stanley, 70% já o faz. Por outro lado, a vastíssima maioria das gestoras nacionais de fundos ainda está pouco familiarizada com este novo mercado, ainda que, a nível global, 84% destas sociedades já contabilizem informações ESG nos seus processos de decisão. A falta de destreza em finanças sustentáveis faz com que as gestoras portuguesas estejam a tolher a sua capacidade de mobilizar novos recursos no mercado global, principalmente de institucionais que já aderiram às finanças sustentáveis.

As autoridades públicas também precisam de mostrar mais convicção. Os últimos dois governos deram um passo inovador ao criarem (Passos Coelho) e implementarem (Costa) a Portugal Inovação Social, iniciativa que mobilizou 150 milhões de euros em fundos da União Europeia para investir em projetos de empreendedorismo social. É um fundo de investimento de impacto. Mas o ministério das Finanças mantém-se silencioso relativamente ao mercado maior das finanças sustentáveis.

Seria também fundamental que a CMVM apontasse ao mercado onde está a estrela polar das finanças sustentáveis. O ano passado, deu um primeiro passo ao organizar uma conferência sobre o tema. Mas em vários outros países os reguladores têm sido os principais incentivadores deste mercado, ao adotarem centenas de diretrizes. No Reino Unido, por exemplo, o The Pensions Regulator (TPR), a agência de supervisão dos fundos de pensão, obriga, desde 2017, que estes agentes incorporem informações ESG nos seu processo de decisão.

Algumas empresas portuguesas estão atentas a este novo mercado. Uma mão cheia começa a conceber a ideia de emitir obrigações verdes ("green bonds"), um dos instrumentos obrigacionistas do mercado de finanças sustentáveis. No final de 2018, a EDP emitiu o primeiro em Portugal, no valor de 600 milhões de euros. Mas a emissão de "green bonds" no nosso país ainda é acanhada, mesmo quando comparada a países de porte semelhante, como a Holanda, Polónia ou Bélgica.

Finalmente, temos que fazer mais trabalho a nível da formação. As nossas melhores escolas de negócios – Católica, Nova, ISCTE, ISEG, Porto – ainda têm uma oferta de disciplinas nesta área muito inferior às escolas que estão no topo do ranking anual do Financial Times.

Consequências

A falta de proficiência do mercado português nesta área poderá começar a sentir-se a nível da estrutura acionista das empresas cotadas do PSI-20. Como a maioria delas têm parte do seu capital detido por investidores institucionais estrangeiros e como estes investidores estão a robustecer a sua capacidade de inserir informações ESG relativas às empresas do seu portfólio, a tendência é que as empresas cotadas sejam cada vez mais pressionadas a adotar as melhores práticas ambientais, sociais e de governança corporativa.

A BlackRock, por exemplo, que detém 5% da EDP, 5% da Galp, 2,4% da Jerónimo Martins ou 2,2% da NOS, caminha para se tornar um campeão no mercado das finanças sustentáveis. A sua nova política nesta área determina que irá começar a incorporar informações sobre a sustentabilidade e governança corporativa de todas as empresas investidas "em busca de melhorar os retornos - especialmente no longo prazo."

A Sonae tem 2,1% do seu capital nas mãos do investidor americano Invesco, cujo interesse em finanças sustentáveis se torna cada vez mais palpável. Recentemente anunciou ao mercado que as suas equipas de investimentos poderão questionar ou desafiar o desempenho em responsabilidade corporativa das empresas da sua carteira sempre que estes fatores impactem na performance financeira da empresa. Em 2018, o FT noticiou que a Invesco iria concentrar parte da sua estratégia de crescimento na compra de ações com boa performance ESG. Qual o impacto destas medidas na Sonae?

Algumas empresas portuguesas, como a EDP, Galp ou Jerónimo Martins apresentam uma alta performance em sustentabilidade corporativa, devidamente reconhecida por rankings e índices internacionais (como o Dow Jones Sustainability Index). Mas várias outras empresas nacionais têm um desempenho mais tímido, o que poderá levar ao desinteresse de investidores estrangeiros. E a falta de um índice português de sustentabilidade das empresas cotadas em bolsa (como o Índice de Sustentabilidade Empresarial brasileiro, criado em 2005) só dificulta a capacidade dos investidores fazerem uma ressonância magnética às empresas portuguesas.

Ainda que tenha partido atrasado, o nosso país não tem que chegar tardiamente. No ano passado a União Europeia lançou um Plano de Ação em Finanças Sustentáveis para ajudar os estados membros a adaptarem-se a estes novos ventos. Falta agora aproveitá-los.

 

Article published originally in Jornal de Negócios. Available here.