Granito Group Insights
december 26, 2018

Hora das finanças sustentáveis


Rodrigo Tavares

No Brasil existem 171,480 milionários com um patrimônio somado de US$ 4,5 trilhões, segundo a World Wealth Report 2018. Este patrimônio é geralmente gerido por private banks, gestoras de patrimônio e family offices (single ou multi) de uma forma relativamente estável há dezenas de anos. Com juros altos, gestores se habituaram a investir significativamente em renda fixa em detrimento de outras classes de ativos, com mais risco, como equities.

Este cenário está gradualmente se alterando. Com a queda da Selic de 14,25% (em setembro de 2016) para os atuais 6,5%, gestoras de ativos foram incitadas a reconfigurar seus modelos de investimento. Além disso, segundo a Global Wealth Report 2018, o número de milionários brasileiros está encolhendo, obrigando os gestores a encetar mais esforços e a serem mais criativos para manterem a sua base de clientes estável.

Este é o contexto que tem fertilizado o interesse em finanças sustentáveis de gestores de patrimônio, uma disciplina financeira que incorpora dados ambientais, sociais e de governança corporativa (ESG, na sigla em inglês) na gestão de ativos para gerar retornos financeiros competitivos de longo prazo e impacto social positivo. Finanças sustentáveis são, na verdade, um termo guarda-chuva que inclui cerca de 16 diferentes subtipos de investimentos, variando de investimentos sustentáveis ou responsáveis, quando a análise de investimentos inclui informações ESG, mas não se excluem ou incluem qualquer classe de ativos, tipo de ativos ou sector; a investimentos de triagem (screening investments em inglês), quando se excluem ou incluem determinados setores, países ou securities com base em critérios específicos; ou investimentos de impacto, realizados com intenção de gerar retorno financeiro e impactos sociais e/ou ambientais positivos que são ativamente mensurados.

Quer o investidor seja exclusivamente guiado pela disposição de maximizar retornos ou acolha algum tipo de preocupação social ou ambiental, as finanças sustentáveis oferecem uma plasticidade que se ajusta a todo o tipo de perfis de retorno e de risco.

Essa é uma das razões pelas quais as finanças sustentáveis se tornaram uma das tendências mais pronunciadas no mercado de capitais, correspondendo a US$ 23 trilhões dos US$ 85 trilhões de ativos totais sob gestão, segundo a PwC. Desse volume, US$ 228 bilhões, ou cerca de 1% do total, corresponde ao subtipo conhecido como investimentos de impacto, que tem recebido alguma atenção no Brasil. Longe de serem algo romântico ou periférico, as finanças sustentáveis já correspondem a cerca de um terço do mercado global de capitais.

 

Finanças sustentáveis correspondem a US$ 23 trilhões dos US$ 85 trilhões de ativos totais sob gestão

No exterior, o interesse de family offices por finanças sustentáveis cresce significativamente. O Global Family Office Report 2018 mostra que 38% dos family offices já estão engajados com finanças sustentáveis e que quase metade planeja aumentar seus investimentos sustentáveis nos próximos 12 meses. Esta tendência, que está começando a brotar também no Brasil, é motivada por pelo menos três fatores:

1. Correlação positiva entre finanças sustentáveis e retornos mais elevados. Largas dezenas de estudos e índices mostram a correlação positiva entre ESG e alfa. O índice MSCI EM ESG Leaders, por exemplo, que oferece exposição a empresas com alto desempenho ESG em relação a seus pares do setor, superaram os retornos brutos anualizados do MSCI Emerging Markets em +1,46% (3 anos), +2,59% (5 anos), e +3,39% (10 anos).

2. Relação positiva entre finanças sustentáveis e gestão de risco. O caudal de pesquisa sobre risco é menos volumoso, mas os índices ainda são uma boa fonte de insight. O MSCI EM ESG Leaders gerou desvios padrão menores: -0,16% (3 anos), -0,58% (5 anos) e -0,88% (10 anos) do que o índice comparável. Se justapusermos os índices globais MSCI ACWI e MSCI ACWI ESG Leaders as conclusões são semelhantes.

3. À medida que o mercado amadurece, as finanças sustentáveis também estão sendo aplicadas a uma gama mais ampla de classes de ativos e produtos. Os tempos em que investimentos sustentáveis se referiam apenas a edifícios com selo verde, usinas de energia solar e pequenos fundos especializados há muito que fazem parte do passado. Atualmente, investidores podem alocar capital em todas as classes de ativos (ações, renda fixa, alternativos) por meio de lentes ESG. Ainda há necessidade de um mercado de derivativos mais abrangente e de alguns produtos alternativos, mas a construção de uma carteira completa ESG com retornos superiores é cada vez mais alcançável. Ações ESG, títulos de bancos de desenvolvimento e títulos verdes, apenas para dar alguns exemplos, estão crescendo exponencialmente.

O Brasil não é refratário a esta tendência, ainda que falte formação especializada aos gestores de patrimônio brasileiro. O principal obstáculo é a escassez de produtos brasileiros com características ESG em todas as classes de ativos. Ainda estamos atrasados relativamente ao mercado global. Mas também aqui deverá haver novidades em breve. A resolução CMN no 4.661 de 2018, que atualiza as regras de investimento dos fundos de pensão brasileiros, estimula que os investimentos sejam feitos de acordos com princípios socioambientais. Esta pressão deverá ter desdobramentos a nível dos gestores de fundos de investimento que serão instigados a inserir metodologias ESG nos seus processos de decisão, elevando o número de produtos ESG disponíveis no mercado brasileiro.

Curiosamente, uma característica própria dos brasileiros de alta renda é o alto grau de confiança que atribuem aos gestores do seu patrimônio, muito acima da média global, segundo o World Wealth Report 2018. É por isso importante que os gestores brasileiros estejam devidamente preparados para atender às novas demandas do mercado. 

 

Article published in Valor Econômico. Available here.